Carlos Stock, um artista que nasce na pandemia

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«Trabalho no Casal da Mira, foi o meu primeiro trabalho remunerado» Imagem: Bruno Taveira

Foi no Bairro da Torre, em Cascais, que Carlos Stock ou Kiam (pseudónimo) se inicia no mundo artístico. Recomeçou a desenhar durante a pandemia, desenvolveu a sua técnica e estilo de forma intuitiva, hoje é um artista de referência na street art, com participações em exposições no MAAT, Festival Infinito e no Festival Eminente.

Imagem: Bruno Taveira

A arte de desenhar sempre acompanhou Carlos Stock, mas por questões profissionais e pessoais o desenho foi «ficando para trás». Obrigado a ficar confinado em casa durante a pandemia, Carlos ocupava o seu longo tempo a desenhar, «eu também parei e acabei por ficar sem emprego (na restauração) e fui para casa também, nesse período havia muito aquela ideia de voltarmos a fazer coisas que já não fazemos algum tempo, e no meu caso uma dessas coisas era criar, era desenhar e comecei», recorda.

Arranque nas redes sociais

Começou por desenhar de forma despretensiosa e a publicar nas redes sociais. Rapidamente os seus “sketches” ganharam visibilidade, e começou a receber inúmeros elogios e incentivos. Esse feedback positivo foi essencial para a sua motivação, dando-lhe confiança para continuar, «então a promessa que eu fiz a mim próprio foi, quando voltasse tudo ao normal na nossa vida eu iria continuar a querer pintar e a fazer as coisas que eu gosto».

As primeiras pinturas tinham com suporte folhas de papel em tamanho A4 e A3. Com persistência, aperfeiçoou algumas técnicas e desenvolveu o seu próprio estilo, com enfoque na cultura africana e figurativa, temas que ecoam as suas raízes e trazem uma profundidade simbólica ao seu trabalho.

Imagem: Bruno Taveira
Imagem: Bruno Taveira

Mural na sede da Associação Somos Torre

Com o tempo, as suas obras de arte foram crescendo em escala, das “simples” folhas de papel começou a pintar em superfícies maiores, como portas, ganhando experiência e confiança. O primeiro trabalho ocorre quando foi convidado pela Associação Somos Torre para pintar um mural da sede. Depois de receber críticas positivas, Carlos participa na Bolsa de Promoção de Talentos, promovida pela Câmara Municipal Cascais onde executa uma série de trabalhos, «durante esse processo recebi a primeira proposta para fazer um trabalho no Casal da Mira, foi o meu primeiro trabalho remunerado», recorda.

Os murais que realiza refletem as suas experiências e influências, e geralmente trazem temas contemporâneos que dialogam com a cidade e com a vida urbana. Por meio de cores vibrantes e formas cuidadosamente compostas, Carlos Stock (Kiam) transforma espaços públicos em verdadeiras galerias a céu aberto, oferecendo ao público uma experiência visual rica e envolvente.

Murais são mais que obras de arte

Os seus murais são mais do que obras de arte, são um convite à reflexão e à interação, peças que celebram e ressignificam os lugares onde são criadas. Um dos exemplos mais notáveis desse impacto é o mural que pintou em colaboração com Gonçalo Mar no Bairro da Torre durante o Festival Infinito. Nesse mural, retrata a «Rua do Congo», um dos locais emblemáticos da comunidade e símbolo de união entre os moradores. A representação figurativa desse espaço foi pensada em cada detalhe, refletindo as histórias, as relações e o espírito coletivo que definem o local.

Experimentar novos materiais e técnicas, tem sido uma constante no processo criativo de Carlos Stock. Recentemente, começou a explorar novas texturas e combinações com recurso a materiais recicláveis e reutilizáveis, «agora neste último trabalho foi a reutilização de plástico, que também foi bastante interessante, a partir do projeto daqui do bairro, a Torre Plastic, que é responsável por esta parte mais de sustentabilidade e reutilização do plástico para fazer pranchas de skate, deram-me um suporte neste projeto que resultou bastante bem e que também era uma dinâmica, que reunia pessoas, arte e sustentabilidade esse projeto foi para o Festival Eminente no Bairro do Rego que resultou bastante bem».

Obras exibidas no MAAT

Kiam já expôs as suas obras em alguns dos locais mais emblemáticos de Lisboa, consolidando-se como um artista emergente, entre esses locais destacam-se o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) e o Festival Eminente, dois importantes espaços de arte contemporânea e expressão cultural, «neste processo o meu objetivo não foi chegar ao MAAT ou ao Festival Iminente, o meu objetivo foi no covid voltar a fazer aquilo que mais gostava de fazer, ou seja, durante o percurso não me frustrei tanto a ter de pensar, que tenho de chegar a determinado objetivo, eu acho que é perfeito quando as coisas acontecem quando não tens perspetivas muito altas daquilo que vai acontecer, onde vais estar, quem te vai chamar», refere.

Atualmente viver exclusivamente da arte, ainda é um desafio para a maioria dos artistas em Portugal, para Carlos Stock não é diferente. Além de sua carreira artística, desempenha um papel fundamental como monitor no projeto social My Skills em Santos (Lisboa), voltado para os jovens de bairros sociais. Nesse contexto Carlos atua como um exemplo e uma inspiração para dezenas de jovens, muitos dos quais enfrentam dificuldades similares às que ele próprio vivenciou nalguns moradores do Bairro da Torre.

No papel de mediador, Carlos usa a arte como uma ferramenta para construir conexões, ensinar novas perspetivas e encorajar a autoexpressão, «a proposta é usar a arte como elemento intervenção social e que ajuda na inclusão social dos jovens que vivem por vezes em contextos muito diferentes», a sua história serve de exemplo de como, «a persistência, a dedicação na arte pode abrir portas e transformar vidas».

Compromisso com os jovens

Além da arte, Carlos tem um compromisso no apoio aos jovens, especialmente aqueles que enfrentam situações de carência afetiva ou social de forma a criar um ambiente de acolhimento e motivação para esses jovens. Carlos ainda não definiu os objetivos para o futuro, mas quer continuar a pintar e a expandir a sua arte, dando vida a murais que transformem espaços públicos com uma mensagem e que sejam valorizadas as histórias e culturas.

Bruno Taveira (Texto)