Dividido entre dois universos criativos, Rafael Lyrio ou One K (como é
conhecido no meio), metódico e talentoso, explora diferentes dimensões
de expressão, misturando o efémero da arte urbana com a precisão e o
impacto duradouro da tatuagem.

Natural do Brasil, mudou-se para Portugal aos cinco anos. Foi no concelho de
Cascais que passou a sua infância, mas por questões familiares, regressa ao
Brasil onde tem o seu primeiro contato com a arte urbana de forma mais séria.
Desenhar tornou-se numa atividade quase instintiva, uma forma de expressar
as emoções e absorver as novas vivências.
Autodidata no graffiti, tudo muda quando entra numa loja para aquisição de tintas e conhece um coletivo de artistas ligados à cultura Hip Hop, «aquilo foi como uma salvação, foi muito natural, eu não conhecia ninguém e eles abraçaram-me, todas as quartas-
feiras tínhamos uma rotina de pintar com a crew» (coletivo de artistas ligado à
arte urbana), este período foi crucial para moldar a sua visão criativa e criar
uma identidade artística.
«Muita dedicação e trabalho envolvido»
Acredita que ninguém nasce com um dom, acredita sim, na persistência e no
trabalho que cada um desenvolve na área que mais gosta, «eu não acredito no
conceito de que tu nasceste com um dom! Acredito que tudo seja trabalhado,
as pessoas não veem o background, há muita dedicação e trabalho envolvido,
não é sorte de ter nascido com este dom, pode haver artistas que tem mais
facilidade, mas sem trabalho não se vai a lado nenhum», afirma.
Durante a adolescência regressa novamente a Portugal, trouxe na bagagem
mais do que simples memórias, mas a vontade incontrolável de pintar e deixar
a sua marca no espaço urbano. Movido por essa determinação, formou
uma crew, e começaram a dar vida às paredes cinzentas e inanimadas do
bairro onde se encontravam.
Partilha de ideias, técnicas e experiência
Rapidamente tornou-se num atelier a céu aberto, onde Rafael e a sua «crew» testavam técnicas e estilos, utilizando cores vibrantes com formas dinâmicas, um exemplo de criatividade e expressão artística, «aqui e partilhávamos ideias, técnicas e a nossa experiência uns com os outros», refere. Num bairro onde cada parede conta uma história, o artista destaca a quantidade de writters (artistas), portugueses e estrangeiros que se
deslocaram para deixar ali a sua marca, «aqui já vieram artistas nacionais e
estrangeiros e pintamos em conjunto, não deixa de ser um intercambio de
aprendizagem também», recorda.
Com uma consistência artística já bem definida, Rafael começa a ser
convidado para realizar trabalhos, onde cada parede é uma oportunidade para
dialogar com quem passa, criando uma conexão entre o espaço físico e o
emocional. As tintas e os traços tornam-se ferramentas para retratar histórias, protestos ou sonhos, muitas vezes com a intenção de causar impacto ou inspirar reflexões, «destaco o trabalho que realizei sobre os Direitos Humanos em São Domingos de Rana a convite da antiga Presidente de Junta, é um trabalho que tem um impacto visual muito forte e surge numa época em que estava a haver muitos conflitos com africanos e bairros sociais, foi uma obra de arte com muito impacto social».
No Bairro do Casal da Mira (Amadora) destaca dois trabalhos que pintou, «fiz dois trabalhos para duas pessoas que faleceram, é um trabalho de muita responsabilidade e ao mesmo tempo é muito satisfatório, onde contribuo para um sentimento de todos os moradores».
Outro trabalho com maior visibilidade, foi o retrato que pintou da namorada do
produtor americano Garret NÖel, responsável pelos filmes IronMan ou Cowboys
e Aliens, que pode ser apreciada em São Domingos de Rana.

A tatuagem uma forma de arte responsável
Durante a sua permanência no Brasil, aprende mais uma arte, a tatuagem. Em
2019 realiza mais um sonho e abre um estúdio para tatuar. Considerado por
muitos «um mercado saturado» devido à existência de muitos tatuadores,
Rafael afirma que, «quanto mais pessoas vieram para o mercado melhor,
porque vai haver maior concorrência, obriga-te a criares a tua própria
identidade e a reinventares».
Tal como na arte urbana, foi criterioso e criou o seu próprio estilo que se destaca de outros tatuadores, o realismo monocromático. Uma técnica que exige precisão e paciência, destacando as sombras, as texturas e os contrastes para criar obras que ganham vida, mesmo com a ausência da cor. Para Rafael a tatuagem é muito mais do uma arte
corporal, «é uma arte eternizada, uma forma de arte muito responsável».
A importância de criar uma conexão com o cliente valoriza o processo criativo,
«abordar a própria ideia do cliente, dar a minha ideia, criar um trabalho único e
muito pessoal, que tem um pouco de mim e do cliente, que nos deixa satisfeitos». Essa combinação de rigor técnico e sensibilidade torna o trabalho de Rafael tão especial e com a agenda quase sempre completa.
Associação Cultural Rafael pretende expandir o seu impacto artístico, através da criação de um espaço cultural voltado para a Cultura Hip Hop. Um local para artistas, para
troca de experiências, workshops, exposições e eventos. Este projeto é uma
extensão natural de sua visão artística, pois reflete o seu desejo de criar também «uma herança cultural que inspire as próximas gerações» e desenvolva novos talentos.
Bruno Taveira (texto e fotos)